“RECONHECIMENTO” DO VENDEDOR-ATOR. DESPREPARO OU OUTRA COISA?
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Vinícius Romão foi “reconhecido” como sendo a pessoa que, momentos antes, roubara a bolsa de uma senhora. Embora assaltada em local escuro, como ela mesma admitiu depois, teria descrito o ladrão como negro, magro, alto, vestindo camiseta e bermudas pretas, e de cabelo black power (isto é o que consta do depoimento dela na 35ª DP, ditado pelo delegado, depois do “reconhecimento” feito ali…).
Não acredito que o delegado desconheça como se faz um reconhecimento, sem aspas, pois é técnica comezinha no meio policial. Prefiro acreditar que falou mais alto a tradição social brasileira. Na sequencia do roubo, um policial civil vê a vítima em prantos e para seu carro a fim de acudi-la. Juntos no carro, circulam nas cercanias tentando localizar o ladrão. E eis que avistam Vinícius Romão caminhando: negro, magro, alto, de cabelo tipo black power (esse perfil, repito, é o que aparece no depoimento da vítima na DP, posterior à prisão na rua, ou seja, não é necessariamente o mesmo perfil que traçou para o policial civil que a ajudou). Avistado Vinícius, o policial pergunta a ela se reconhecia aquela pessoa como sendo o assaltante. Diante da resposta afirmativa, o policial o aborda e, com a ajuda de PMs, conduz o “suspeito” à delegacia, onde é submetido a novo “reconhecimento” pelo delegado. Lavrado o auto de flagrante, Vinicius Romão é mandado para a cadeia. A opinião pública se mobiliza, e a acusadora, duas semanas depois, volta atrás, afirmando que se enganara. Enquanto isso, Vinícius permaneceu preso “preventivamente” por 16 dias.
A propósito da técnica de reconhecimento, transcrevo abaixo, ipsis litteris, trecho de livro que lancei em 1990 pela Forense. Pensava tratar-se de despreparo. Hoje, vejo que me enganei. A questão é outra. Aí vai:
“O exemplo mais grosseiro de despreparo, entretanto, é o que ocorre quando da necessidade de se promover o reconhecimento de suspeitos. O reconhecimento, como instrumento técnico policial, é condicionado a medidas preliminares indispensáveis. Se estas medidas não forem adotadas, o reconhecedor “reconhecerá” o suspeito “moreno, de estatura mediana e forte” que lhe apresentar a polícia. Na realidade, dentro da técnica, o reconhecedor terá de identificar, entre pessoas com iguais características que lhe sejam apresentadas em conjunto ou separadamente, o autor do crime. Ainda assim devem os policiais ter em mente que o reconhecimento é prova de valor relativo, e não absoluto. O reconhecedor pode equivocar-se, mesmo que imagine ter certeza”.
E Vivas à democracia brasileira!
Prezado mestre,
acredito ter havido mais despreparo do que qualquer outro fator nessa infelicidade da prisão do Vinicius Romão, além de uma morosidade excepcional para desvendar o caso, já que o acusado veementemente – conforme até mesmo a vítima afirmou – se pronunciava como inocente, além de nada ter sido preso com ele que efetivamente tivesse sido tirado da vítima. Não fosse o detalhe da movimentação, dos colegas e da família, o Romão estaria amargando até hoje uma viagem no ‘Expresso da Meia-Noite’ (Midinight Express) de Pindorama!
Caro Monnerat,
Claro que é mais despreparo do que outra coisa. Eu não quis ser muito direto.
Caro Jorge,
O despreparo profissional é a regra no país. No ano passado, o Conselho de Medicina em São Paulo realizou para médicos, um exame semelhante ao que é feito na OAB para advogados e o resultado foi de 53% de reprovação. No entanto, todos tiveram uma formação em curso regular de SEIS anos. Qual a formação do policial? Um curso de poucos meses, com estudo superficial de algumas matérias. Após isso é entregue uma carteira e uma arma e “vamos trabalhar”. O que se esperar desses policiais, senão as barbaridades(já ingressam com a cultura da violência) que são cometidas diuturnamente em sua maioria absoluta contra os pobres e (ou) negros, somente sendo divulgada quando ocorre um “azar” em que o negro era um ator global. Essa violência é sempre referendada pela sociedade desde que as vítimas sejam “etiquetadas”. É interessante que o “despreparo” da polícia só fica evidenciado quando as vítimas não façam parte das classes menos favorecidas, o que desperta o interesse jornalístico e a sua pronta divulgação. Nesses casos, as autoridades fazem pronunciamentos, instauram procedimentos, pedem desculpa a vítima e a sua família etc. Passado esse momento, a polícia continuará “preparada” para lidar com a plebe e tudo voltará ao “normal”. Somente será demonstrado o seu “despreparo” quando as vítimas forem das classes sociais mais altas, quando será instaurado procedimento, entrevistas, desculpas a família….etc. Até a próxima vítima!
Caro Adilson,
O despreparo é realmente um dos principais fatores de erro. Penso, no entanto, que é preciso admitir que muitos erram porque adotam a lógica daquele humorista que se apresentava com um bumbo, o Lilico, cujo bordão era: “O errado é que está certo”. Lembra?