AS UPPs E OS PMs. E O CABO PM MORTO
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Ensinam os estudiosos da linguagem humana que múltiplos fatores concorrem para que a comunicação se realize. Partem da velha fórmula: emissor – meio – mensagem – receptor etc. para a análise do contexto, dos interesses envolvidos, dos signos linguÃsticos e ideológicos utilizados, do real sentido do enunciado, de como este é decodificado pelo receptor, e por aà vai.
Mikhail Bakhtin mostrou que, embora pertencentes à mesma “comunidade semiótica†(lÃngua e cultura), as diferentes classes sociais (e acrescento, os diferentes indivÃduos) não atribuem aos signos os mesmos “Ãndices de valorâ€. Para um emissor ou receptor residente em Ipanema ou Leblon, por exemplo, o signo BASTA, aparecido em cartazes e janelas dos seus apartamentos contra a violência há alguns anos, tinha um significado; para um morador da favela, preocupado com os efeitos da resposta governamental ao BASTA, outro.
Surpreendo-me com a manchete de primeira página do jornal O Globo de ontem, 5 abril: “Rocinha: era das UPPs tem 1º PM mortoâ€. Surpreendo-me porque, receptor da mensagem com identidade social umbilicalmente  ligada à PM, talvez interprete o signo “1º PM morto†de forma comprometida. O tÃtulo soa-me como se o cabo Cavalcante estivesse iniciando uma previsÃvel sequência de PMs fadados a morrer, como se isso fosse mera contingência da atividade policial. Ossos do ofÃcio, como dizem. Pode soar a outros como um lamento do emissor, em solidariedade aos policiais e à s autoridades; ou como um alerta, a fim de que daà em diante as ações sejam planejadas e executadas com o mÃnimo de riscos aos agentes e à comunidade. (Aliás, é possÃvel que o emissor, considerando que o cabo Cavalcante era um profissional experiente, esteja preocupado com a notÃcia de que recrutas, ainda não formados, estejam sendo destacados para atuar naquela conflagrada favela). Ou que, com o signo “era das UPPsâ€, esteja fazendo um elogio a essa polÃtica, ou condenando-a. Tudo sem contar que os familiares de PMs em serviço, na Rocinha ou em qualquer outro lugar, podem ter exacerbado o seu temor de que o próximo a ser morto seja o ente querido.
Uma lição prática que se pode tirar das teorias de Bakhtin refere-se à responsabilidade do emissor, sobretudo quando este se dirige a receptores com diferentes identidades sociais. Pergunte-se: como a mensagem contida em “Rocinha: era das UPPs tem 1º PM morto†é decodificada pelos receptores de Ipanema e Leblon? E da Rocinha? E da Maré? E da periferia? E do Interior? E das corporações policiais?
Já ia esquecendo. Ninguém falou da chamada “guerra à s drogasâ€.
Infelizmente, sob a minha humilde ótica a intenção da comunicação se reduz à ideia de um longo tempo (era) marcado por um fato que significa apenas o pontapé inicial de outras mortes esperadas. Ocorre-me aqui que alguns PMs de UPPs já foram feridos ou mortos fora do seu restrito ambiente de trabalho, não se sabendo se houve alguma relação de causa e efeito do seu labor em determinada comunidade com a sua morte trágica longe dela. Quanto ao preparo, não creio que um cabo do BPCh tenha tanta experiência em confrontos contra traficantes em favelas. Talvez ele fosse experimentado em controlar distúrbios no asfalto, o que implica a internalização da desnecessidade de matar para se defender, a não ser em casos rarÃssimos. Enfim, homem errado no lugar errado em tempo errado, por conta da inerrância do andar de cima.
Caro Larangeira,
Você tem razão. Na verdade, eu não tinha atinado para esse ponto. Vali-me dos anos de serviço do cabo Cavalcante, em contraste com recrutas sem formação. Uma temeridade.
Quanto ao “era” , “era das UPPs”, é possÃvel que o emissor esteja sendo irônico. Para não dizer “moda”.
Prezado Mestre Jorge,
Na minha ótica, embora canhestra, consigo pelo menos entrever na manchete o que parece ser um ‘aviso’, como se fosse uma ‘prensa’, no uso da linguagem popular, dos interessados que aqui temos apontado, dos quais um é o próprio jornal, porta-voz do grupo que investe e investirá muito nos eventos mundiais que aqui serão sediados. Então, o emprego do vocábulo ‘era’ teve a conotação clara de uma admoestação de que se trata já de algo implantado, de retrocesso impossÃvel. Deste modo, a ‘era’ ali empregada não se refere a um tempo qualquer, mas tem todo o peso de ‘tempo histórico decorrido’, daà sua irreversibilidade, o que aliás a opinião pública já havia decretado assim desde a primeira experiência de UPP.
A respeito disso, fico pensando, quando assisto pela TV aqueles PMs, portando fuzis, em patrulha pelas vielas dos morros, e moradores calados desviando-se dos repórteres e de suas perguntas, como devem fazer com qualquer um, apavorados que estão continua e permanentemente: ONDE SE ENCONTRA O NÓ GÓRDIO DESSA QUESTÃO? Outro dia, lendo algo sobre a PolÃcia Montada Canadense, que considero como uma das melhores, senão a melhor polÃcia do mundo, pois a única organização policial que pode ostentar a condição de se constituir elemento cultural de um paÃs, a ponto de ter os seus direitos de imagem, até há pouco, geridos pela Walt Disney Co., uma coisa me chamou a atenção no texto, transcrito a seguir: “…En matière de formation, la GRC s’inspire des principes de la police communautaire. Celle-ci consiste essentiellement à partager la responsabilité des problèmes et de leur résolution avec la collectivité.†(… ‘Em matéria de formação, a Real PolÃcia Montada Canadense (Gendarmerie Royale du Canada ou RCMP, Royal Canadian Mounted Police)… (continua)
(continuação) (… ‘Em matéria de formação, a Real PolÃcia Montada Canadense (Gendarmerie Royale du Canada ou RCMP, Royal Canadian Mounted Police) se inspira nos princÃpios da polÃcia comunitária. Isto consiste essencialmente no compartilhamento da responsabilidade dos problemas e de sua resolução com a coletividade.â€) Então, podemos e devemos repetir o que interessa ser realçado, agora em caixa alta: A RCMP SE INSPIRA NOS PRINCÃPIOS DA POLÃCIA COMUNITÃRIA. ISTO CONSISTE ESSENCIALMENTE NO COMPARTILHAMENTO DA RESPONSABILIDADE DOS PROBLEMAS E DE SUA RESOLUÇÃO COM A COLETIVIDADE.
Compartilhamento da responsabilidade dos problemas e de sua resolução com a comunidade. DeverÃamos repetir isso a exaustão, como se recitasse um mantra, pois mesmo parecendo um reinventar da roda, é algo simples mas não colocado em prática. De fato, se não houver esse compartilhamento – dividir e participar – dos problemas entre governo e comunidade, jamais aparecerá uma solução. E, se houver compartilhamento dos problemas, até a solução também deverá ser compartilhada. Caso contrário, fica apenas o PATERNALISMO que nada faz frutificar, uma população que apenas se dedica à espera das benesses. Talvez aà esteja um recado vindo lá da terra dos mounties, com seus famosos chapéus de aba larga, os quais, aliás, são vendidos tb para o público, mas só após sofrerem um processo rigoroso de controle de qualidade. Precisa existir um mecanismo de aproximação, com participação comunitária, caso contrário, a ação ficará restrita a aulas de capoeira e balé para as crianças. A comunidade tem que saber que não existe almoço de graça. Ela tem que se engajar, com o preço que tiver que pagar. Por aÃ, vê-se que não existe projeto, programa, nem estratégia para a UPP. Onde entram as comunidades?
Caro Monnerat,
O problema é que a PolÃcia Montada do Canadá é canadense; a elite polÃtica do Canadá é canadense; a sociedade civil do Canadá é canadense; a mÃdia do Canadá é canadense.
Não se esqueça da violenta reação conservadora a todas as propostas de adoção da polÃcia comunitária no Rio de Janeiro. Lembra-se?
Mestre Jorge,
Lembro-me muito bem. Pensei até, no comentário anterior trazer isso à baila, quando pensei que o nosso saudoso Cerqueira, o PM, ficaria espantado em constatar que ATÉ no Canadá, hoje em 2012, isso já é mais do que uma polÃtica, é uma ‘inspiração’! ‘La GRC s’inspire…’e da maneira mais correta possÃvel. Aqui, existe uma tal ‘polÃtica de aproximação’… mas, até onde dá para enxergar, tão-somente fÃsica!
É, ‘a Rocinha é a Rocinha’, mas, ‘o Brasil não é o Canadá’ ! Por isso que temos milhares de brasileiros no Canadá…