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Jorge Da Silva é cientista político. Doutor em Ciências Sociais pela UERJ e professor-adjunto / pesquisador-visitante da mesma universidade. Professor conteudista do Curso EAD de Tecnólogo em Segurança Pública (UFF - CEDERJ / CECIERJ). Criado no hoje chamado Complexo do Alemão, no Rio, serviu antes à PM, corporação em que exerceu o cargo de chefe do Estado-Maior Geral. Foi também secretário de Estado de Direitos Humanos/RJ. É vice-presidente da LEAP Brasil ('Law Enforcement Against Prohibition Brazil' (Agentes da Lei Contra a Proibição)).

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AUTORIDADES POLICIAIS, REGISTROS E TERMO CIRCUNSTANCIADO. LEI 9.099/95

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A propósito da polêmica que se instalou no Rio de Janeiro entre delegados de polícia e oficiais da PM em torno dos procedimentos pertinentes às duas corporações na aplicação da Lei 9.099/95, cumpre esclarecer, desde logo, que não se trata de problema novo. Mesmo antes da edição da referida Lei, conflitos dessa natureza já aconteciam, sem que jamais as autoridades se tenham indagado sobre o que é melhor para a população. Ruim mesmo é que se travem disputas movidas por meros interesses corporativos. Faz lembrar a metáfora dos dois burros, que só conseguiram comer os dois montes de feno quando resolveram unir-se e comê-los juntos.

De qualquer forma, melhor um “conflito positivo de atribuições” do que um “conflito negativo” (caso do jogo de empurra), lamentando-se tão somente que o objetivo da disputa pelos “registros de ocorrência” e pelos “termos circunstanciados” não seja o bem da sociedade. Pior, que apareçam árbitros ad hoc, empenhados não em promover a união, e sim em calcar o acicate, com o que acabam emulando os dois lados.

Tratei do tema em livro lançado há 20 anos. A Constituição de 1988, no Art. 144, tinha atribuído à Polícia Civil “as funções de polícia judiciária e a apuração de infrações penais” (§ 4º), e à Polícia Militar “a polícia ostensiva e a preservação da ordem pública” (§ 5º). Mas foi taxativa no § 7º do referido artigo: “A lei disciplinará a organização e o funcionamento dos órgãos responsáveis pela segurança pública, de maneira a garantir a eficiência de suas atividades.” Naquele livro mostrei que era irresponsabilidade dos parlamentares não regulamentarem o citado Art. 144 (até hoje não regulamentado…), deixando o assunto à mercê das idiossincrasias e pugnas corporativas dentro dos estados. Não podia dar certo. E tem tudo para piorar…

Se um dia resolverem obedecer ao mandamento constitucional, os parlamentares não poderão fugir às seguintes perguntas: como organizar, estruturar, equipar e instrumentalizar a Polícia Civil para as funções de “polícia judiciária” e de “apuração das infrações penais”, e como capacitar tecnicamente os seus integrantes para esse fim? O mesmo critério com relação à Polícia Militar para o exercício da “polícia ostensiva” e a “preservação da ordem pública”. Com certeza, não recomendarão cursos de investigação criminal e aquisição de lupas e microscópios para os policiais militares; nem cursos sobre táticas de cerco e ocupação territorial, ou a aquisição de blindados, fuzis e uniformes de campanha para os policiais civis. Tudo ao contrário do que se observa em vários estados do Brasil, sob a omissão do poder político. Aliás, os políticos fogem do problema como o diabo foge da cruz, temerosos de perderem votos dos dois lados… Ora, o que esperar da auto-regulamentação policial?

Sobre especificamente a questão em foco, ou seja, a delimitação das atribuições das duas polícias, remeto o leitor ao artigo AUTORIDADES POLICIAS, INQUÉRITO POLICIAL E A LEI 9.099/95 (na verdade, excertos de tópicos publicados há 20 anos, e atualizados em 2003, depois da edição da lei 9.099/95). Ali tratei de três assuntos: da distinção entre “autoridade policial judiciária” e “autoridade policial administrativa”; da polêmica em torno do inquérito policial; e do papel do policial militar em face da citada lei, na interpretação de Damásio Evangelista de Jesus. Se interessar, é só clicar no link abaixo:

http://www.jorgedasilva.com.br/index.php?caminho=artigo.php&id=43

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6 comenários to “AUTORIDADES POLICIAIS, REGISTROS E TERMO CIRCUNSTANCIADO. LEI 9.099/95”

  1. Renato Hottz disse:

    Professor: continuo com a minha visão, mais ou menos simplória, de que se cada uma das Instituições fizesse o que lhe é atribuído constitucionalmente, estaríamos cumprindo um pouco melhor as nossas tarefas. De qualquer forma, voltando aos dois burros, parece-me que o “x” do problema reside na fome e no desejo de, além de comer os montes de feno, um burro querer comer o outro. Às vezes, mais do que isso, são os burros quererem devorar-se a si mesmos, antes de decidir quem comerá cada monte. Abçs.

  2. jorge disse:

    Caro Hottz,
    E isso mesmo!…

  3. Paulo Xavier disse:

    O Cel Hottz está correto, porém vou mais além. Para um burro comer o seu próprio feno, muitas vezes tem que pisar no feno do outro e aí começa o entrevero. Eu mesmo já sofri duras retaliações dentro de uma DP, no exercício da minha função por ter prendido em flagrante delito, parentes de policiais civis. Não prevariquei, não omiti, nem atendi a pedidos vários para refrescar, mas tive meu trabalho dificultado até deixar a corporação. Como se vê, o problema e bem mais complexo do que parece.
    Obs: Este fato citado tem mais de 30 anos, mas parece que o tema é bem atual.

  4. Otto disse:

    Concordo em tudo o que o senhor postou sobre o problema na aplicação da Lei 9099/95, entre as instituições PM e PC, e tudo paira na grande ineficiência parlamentar que está instalada em nosso país. Temos um excesso de lei, que por vezes incompleta, e com quase nenhum fiscalização que obrige os cidadãos brasileiro ao cumprimento ou ainda a responsabilização deste pelo descumprimento. Trabalho no GAECO do Paraná, e sei bem o quanto é salutar ter as duas forças policiais estaduais trabalhando juntas, muito são os frutos colhidos e muito se ganha ambas as instituições, uma completando a outra. Mas é certo que existe um jogo de vaidade entre as instituições que é travada de cima para baixo, onde o alto “escalão” destas instituições (em todo os estados) brigam num jogo “de quem pode mais”. Mas acredito que o futuro é a união destas instituições, pois deixando de lado o a “vaidade” de seis gestores, os policiais estão conscientes desta situação, que inclusive há muito é aclamada pela população brasileira.

  5. Otto disse:

    Em tempo, onde se lê “seis gestores” leia-se “seus gestores”

  6. Adilson da Costa Azevedo disse:

    Caro Jorge,

    Gostaria de lembrar algumas coisas óbvias. A polícia judiciária, apesar do nome é também uma polícia administrativa. O inquérito policial é uma peça administrativa cujo objetivo é demonstrar a materialidade do crime e indicar a autoria. Com se verifica na Constituição Federal, a polícia civil não está na rubrica das Funções Essenciais da Justiça, mas, na Segurança Pública. Logo, apesar do nome de “polícia judiciária” a polícia civil é um corpo estranho ao Judiciário, nesse aspecto não se diferenciando da PM. Resumindo a lição de Chiovenda, verifica-se que o Poder é uno, não existindo poderes e sim funções: as executivas, as legislativas e as judiciais. Os chamados tres poderes, individualmente, exercitam essas funções de administrar, legislar e julgar. Analogicamente, também na polícia ocorre esse fenômeno de entrelaçamento de funções. Ambas as polícias exercem esse duplo papel de polícia judiciária e polícia ostensiva. A polícia civil exerce a polícia judiciária, através da lavratura de flagrantes e na confecção de inquéritos etc. bem como faz policiamento ostensivo, seja pelas viaturas caracterizadas, seja pelas operações de policiais de botas, calças camisas e/ou coletes pretos, com a inscrição nas costas em letras garrafais na cor amarela “POLÍCIA CIVIL”, possuindo, inclusive uma tropa de choque: o CORE. Por outro lado, a PM também faz polícia judiciária por intermédio da P2, quando prossegue nas diligências após constatar um crime buscando outros, pelo GAP, pela infiltração de agentes para apuração de informações sobre crimes etc. Ora, se o objetivo da polícia civil(judiciária) é apurar crimes e indicar autorias, estando estas e aqueles apurados, podem esses procedimentos serem encaminhados diretamente ao Ministério Público. Na hipótese de uma sindicância interna na Secretaria de Agricultura, seja apurado um crime e constatada a autoria, este procedimento poderá ser encaminhado diretamente ao Ministério Público que com base nesse pode oferecer denúncia. A polícia judiciária apesar de ser a via natural de encaminhamento dos delitos ao Ministério Público para início da Ação Penal, NÃO É OBRIGATÓRIA. Conclui-se que o Termo Circunstanciado elaborado pela PM, onde estão presentes materialidade e autoria está apto a ser encaminhado diretamente a justiça, não existindo nenhum impedimento legal. Não é razoável que estando concluído o procedimento, seja deslocada uma viatura a uma Delegacia com perda de tempo e recursos, principalmente, com a retirada de circulação de um carro de polícia que deveria estar cumprindo o policiamento ostensivo. Isso não retira da PM a sua atividade principal que é o policiamento ostensivo, nem da polícia civil a sua função primordial que é a atividade de polícia judiciária. Creio que o ideal seria a unificação das polícias.

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