foto de Jorge Da Silva

Jorge Da Silva é cientista político. Doutor em Ciências Sociais pela UERJ e professor-adjunto / pesquisador-visitante da mesma universidade. Professor conteudista do Curso EAD de Tecnólogo em Segurança Pública (UFF - CEDERJ / CECIERJ). Criado no hoje chamado Complexo do Alemão, no Rio, serviu antes à PM, corporação em que exerceu o cargo de chefe do Estado-Maior Geral. Foi também secretário de Estado de Direitos Humanos/RJ. É vice-presidente da LEAP Brasil ('Law Enforcement Against Prohibition Brazil' (Agentes da Lei Contra a Proibição)).

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Arquivados em setembro, 2016

VIOLÊNCIA E RACISMO. A QUEM INTERESSA A MATANÇA?

30 de setembro, 2016    

 

(NOTA PRÉVIA: Transcrevo artigo publicado no jornal O DIA de hoje, 30/09 (OPINIÃO Artigos, p.13), escrito a propósito do relançamento ontem, 29/09, do livro nele referido, na livraria da Eduff, em Niterói).   

 

A QUEM INTERESSA A MATANÇA?

Há 18 anos, quando lancei a primeira edição do meu livro ‘Violência e racismo no Rio de Janeiro’ (Eduff, 1998), o mito racial dava os últimos suspiros, mas questioná-lo ainda podia levar o questionador à prisão por “incitar ao ódio ou à discriminação racialâ€.

A internet não se havia expandido, ao contrário de hoje, quando o número de smartfones ultrapassa 150 milhões, e as redes sociais se multiplicam. Redes há, porém, que desenvolvem novas formas de intolerância. No caso dos negros, presume-se que isso se acentua como resposta às políticas de cotas, introduzidas no Brasil em 2004, na UERJ.             

Depois que, em 2012, o Supremo declarou-as constitucionais, elas se expandiram. Atualmente, mais de 30 universidades as adotam, a despeito de forte reação. Outro ponto. Desde 2003 vigora a Lei 10.639, que alterou a Lei de Diretrizes e Bases da Educação para incluir nos currículos escolares a temática “História e Cultura Afro-Brasileiraâ€. Mas a lei não decola…

Sintomaticamente, os que lutam por igualdade racial são chamados de “racialistasâ€; os defensores de direitos humanos, de defensores de bandidos; as hordas de “menores†pobres da “periferia†― fora da escola e ou nas ruas ― deixam de ser questão social e, sim, problema de polícia, para o que seria preciso reduzir-lhes a maioridade penal e mandá-los para as prisões de adultos.

O quadro atual, portanto, autoriza-nos a sustentar que a violência do Rio e as formas concebidas para contê-la carregam viés discriminatório, pois vitimizam em escala moradores de favelas e periferia. Além de traficantes e jovens policiais mortos na espiral macabra da “guerra às drogasâ€, pessoas inocentes também morrem nos tiroteios. Crianças ficam sem aulas, tendo que adotar estratégias para não serem atingidas, como deitar no chão da sala.

Tudo sem contar o medo coletivo, no “asfaltoâ€. Mais: dados oficiais mostram que jovens negros são vítimas de homicídios numa proporção de 2,5 para cada jovem branco, sendo razoável concluir que a premissa levantada há 18 anos provou-se válida. Daí, em proveito dos brasileiros de todas as “coresâ€, cumpre reconhecer que uma das saídas é fazer hoje o que se deixou de fazer há 128 anos, com a Abolição da Escravatura.

 

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“TEM QUE MUDAR O GOVERNO PARA ESTANCAR ESSA SANGRIAâ€

20 de setembro, 2016    

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(NOTA PRÉVIA. A propósito dos últimos acontecimentos, republico postagem de 3 de junho último)

 

A QUASE IMPLOSÃO DA LAVA-JATO E A MORALIDADE SELETIVA

O que mobilizou a opinião pública para apoiar o impeachment foi a indignação com os escândalos de corrupção, na conta dos governos do PT. Diante do clima de indignação geral, a oposição não quis esperar que surgisse fato ligando diretamente a presidente Dilma a atos corruptos, ainda que sob a teoria do “domínio do fatoâ€. Não. Havia pressa em apear a presidente, o que fez com que se recorresse às chamadas “pedaladas fiscais†(aliás, que nada tinham a ver com o motivo da revolta da população). Concluiu a oposição que bastava o deputado Eduardo Cunha acolher o pedido de abertura do processo de impeachment. Seguiu-se a admissibilidade por parte do Senado.

Paralelamente, a caneta do juiz Sérgio Moro continuava a deitar tinta forte. Opositores do governo, que até aquele ponto imaginavam que a caneta do magistrado era partidária (tinha atingido principalmente figurões do PT), começaram a entrar em pânico, pois as “delações premiadas†de empreiteiros, doleiros, executivos de empresas estatais e políticos caídos em desgraça começaram a atingir cabeças coroadas de outros partidos. O que fazer? Eminente senador, um dos articuladores do impeachment, e que viria a ser nomeado ministro do Planejamento no governo interino, foi taxativo em gravação sem o seu conhecimento: “Tem que mudar o governo para estancar essa sangriaâ€Â […] Um acordo para delimitar onde está.â€Traduzindo: mudar o governo para implodir a Lava Jato e escantear o juiz Moro.

E o povo iludido na sua boa fé, achando que o impeachment era contra a corrupção, pela moralidade pública, por patriotismo. Mais triste ainda é ver pessoas sérias, mesmo diante desse enredo vergonhoso, minimizando-o como algo sem maior importância. Como se desonestidade fosse apenas roubar dinheiro. Ao povo, enfim, só resta uma alternativa: com ou sem impeachment, unir-se na luta contra qualquer tentativa de implodir a Lava Jato ou mudar a caneta de mão.

junho 3rd, 2016

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SOBRE FRASES NA DENÚNCIA CONTRA LULA

18 de setembro, 2016    

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Corre nas redes sociais a frase: “Não temos provas, mas temos convicçãoâ€, atribuída a integrantes da força-tarefa da Lava Jato. Essa frase não foi articulada por nenhum deles. Trata-se da combinação de diferentes falas, sem relação necessária entre elas. Na verdade, a frase que deu origem à polêmica é a seguinte, do procurador Roberson Pozzobon, ao iniciar a sua explanação: “Não teremos aqui provas cabais de que Lula é efetivo proprietário, em papel, do apartamentoâ€.

Em um exercício de ‘Análise do Discurso’, dois pontos são notáveis: em primeiro lugar, a frase, introdutória e, a rigor, dispensável para quem ofereceria uma denúncia formal, soa como uma confissão da dificuldade de obter provas ‘cabais’ (conclusivas, acabadas); segundo: Pozzobon deixa claro que a força-tarefa procurou, de maneira exaustiva, uma prova ‘cabal’ (‘em papel’), mas não a encontrou.

Daí, diante dessa dificuldade, os procuradores escolheram, dentre algumas alternativas de conclusão do seu trabalho, aquela que se tornou polêmica, a quarta das elencadas abaixo:

1ª: “Não conseguimos provas de que Lula seja proprietário do apartamentoâ€;

2ª: “Não há provas de que Lula seja o proprietário do apartamentoâ€;

3ª: “Se Lula é o proprietário, ele camuflou muito bem esse fatoâ€;

4ª: “Embora não haja provas cabais, não há dúvida de que Lula é o dono do apartamentoâ€.

 

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QUANDO O CORDEIRO COME O LOBO

16 de setembro, 2016    

         (NOTA PRÉVIA. Em tempos de lobos e cordeiros, vem-nos à mente a famosa fábula)

O LOBO E O CORDEIRO  (La Fontaine) 

Na água limpa de um regato, matava a sede um Cordeiro,
quando, saindo do mato, veio um Lobo carniceiro. 

Tinha a barriga vazia, não comera o dia inteiro.
– Como tu ousas sujar a água que estou bebendo?
– rosnou o Lobo, a antegozar o almoço. – Fica sabendo
que caro vais me pagar! 

– Senhor – falou o Cordeiro – encareço à Vossa Alteza
que me desculpeis, mas acho que vos enganais: bebendo,
quase dez braças abaixo de vós, nesta correnteza,
não posso sujar-vos a água. 

– Não importa. Guardo mágoa de ti, que ano passado,
me destrataste, fingindo!
– Mas eu nem tinha nascido.
– Pois então foi teu irmão.
– Não tenho irmão, Excelência.
– Chega de argumentação.Estou perdendo a paciência!
–  Não vos zangueis, desculpai!
– Não foi teu irmão? Foi teu pai
ou senão foi teu avô –
disse o Lobo carniceiro.
E ao Cordeiro devorou.

Onde a lei não existe, ao que parece, a razão do mais forte prevalece.

(Tradução de Ferreira Gullar)

Digo eu: a moral desta postagem está no seu título, QUANDO O CORDEIRO COME O LOBO…

 

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PRETO NO BRANCO

9 de setembro, 2016    

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Na “democracia racial†brasileira, sempre tivemos muitos escurinhos querendo se passar por branquinhos. E agora, tem muitos branquinhos querendo se passar por escurinhos. Vai entender.

Fato. Nota no Ancelmo (Globo.com, 08/09/16): “Itamarati elimina de concurso para diplomata 47 brancos que se passavam por negrosâ€.

 

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UM MILHÃO DE MORTOS NO BRASIL. ARMAS OU PESQUISAS?  

2 de setembro, 2016    

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(NOTA PRÉVIA. Republico postagem abaixo, do último domingo, 28/08, em vista da continuidade da matança brasileira (de brasileiros…), em especial do RJ).

ARMAS OU PESQUISAS? UM MILHÃO DE MORTOS?

28 de agosto de 2016

Matéria de Época Negócios (16/08) revela que o ministro da Justiça criticou os investimentos em pesquisa na área da segurança pública. Lê-se ali: “Moraes defende menos pesquisa e mais ‘equipamentos bélicos’ em novo governoâ€. A afirmação foi feita na ‘Cidade da Polícia’, no Rio, o que empresta sentido ao que falou, devendo-se levar em conta ainda que o ministro, até recentemente, foi secretário da segurança de São Paulo, dirigente maior das polícias Civil e Militar. Talvez não falasse a mesma coisa a moradores da ‘Cidade de Deus’. A sua fala, portanto, guarda coerência com o pensamento da maioria dos profissionais do setor. Como se sabe, é conhecida a aversão dos policiais a estudos e pesquisas externos. Para os policiais, sobretudo os mais graduados, os acadêmicos, chamados de “policiólogosâ€, nada entendem do labor policial e só sabem criticar, uma crítica que fazem aos acadêmicos às vezes procedente.

Acontece que essa polarização estanca qualquer possibilidade de avanço ― em benefício, não desta ou daquela instituição, deste ou daquele governo, e sim da população. Ora, se os policiais têm aversão às pesquisas acadêmicas; se as próprias autoridades não as valorizam, corre-se o risco de cair no velho círculo vicioso, interminável, do “mais do mesmoâ€, como alguém já disse. Por que não fazer uso das pesquisas? Será que não têm utilidade?

É possível que o ministro tenha enfatizado a questão das armas em função das reclamações dos policiais (os bandidos armados de fuzis). Com experiência no setor, talvez também valorize os estudos sobre a polícia brasileira. De qualquer forma, não posso deixar de mencionar que a sua fala trouxe-me à mente a posição do governador Beto Richa, do Paraná, para quem, quando, em 2012, se pretendia exigir curso superior para o exercício policial, foi contra, tendo declarado à Rádio CBN: “Uma pessoa com curso superior muitas vezes não aceita cumprir ordens de um oficial ou um superior, uma patente maiorâ€. Richa não queria um policial reflexivo. Por quê? As pesquisas também levam à reflexão…

Com relação a mais armas e equipamentos para a polícia, a proposta do  ministro conforma-se ao cenário de “guerra†atual (sem que se pense na mudança do cenário…). Mas não custa lembrar que a aposta nas armas, em que também apostam os traficantes e bandidos outros, mostra um quadro macabro, como revela o Mapa da violência 2016: homicídios por armas de fogo no Brasil: “O país contava [2005] com um total de 15,2 milhões em mãos privadas:  • 6,8 milhões registradas; • 8,5 milhões não registradas; • dentre estas, 3,8 milhões em mãos criminosas.â€Â […] “entre 1980 e 2014, morreram perto de 1 milhão de  pessoas (967.851), vítimas de disparo de algum tipo de arma de fogo.”  (p.12)

Bem, o ministro também falou que vai investir em “equipamentos para inteligênciaâ€. Quem viver, verá…

 

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