EXÉRCITO NA MARÉ… E PROTESTOS
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(NOTA PRÉVIA. Reproduzo abaixo postagem de onze meses atrás, 26/03/2014, em que chamava a atenção para o conteúdo ilusório das premissas que nortearam o emprego das FFAA na Maré, sobretudo a de que os traficantes seriam presos ou expulsos, e a de que a comunidade viveria em paz. De boa fé, só quem não conhece os dois “Rios” de Janeiro poderia acreditar nisso. Agora, pior: eis que se leem na mídia no último dia 23/02: “Protesto contra ocupação do Exército na Maré interdita a Linha Amarela” (odia.ig.com); “Ato contra o Exército no complexo da Maré fecha a Linha Amarela, no Rio (folha.uol.com.). Racionalizações não faltam…)
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EXÉRCITO NA MARÉ
Em 26/03/14
Uma notícia contida em chamada de primeira página de O Globo de hoje, 26/03, sobre a ocupação militar da Maré chamou a minha atenção: “Os militares devem atuar com mandados coletivos de busca, que permitam que qualquer casa seja vasculhada”. Estranhei a notícia e fui conferir no interior da matéria, na pág. 13, e lá estava a fonte logo no título: “Forças têm mapa da Maré, diz procuradora”, e no subtítulo: “Representante do Ministério Público Militar afirma que tropas contarão com mandados de busca coletivos”. A revelação partira da procuradora do MP militar Hevelize Jourdan. Segundo os repórteres que assinam a matéria, “a possível expedição pela Justiça Militar dos mandados coletivos, explicou a procuradora, deve-se à dificuldade de localizar endereços em meio ao aglomerado de casas erguidas em becos, sem numeração definida”.
Fiquei preocupado por dois motivos: primeiro, pelo tamanho do bairro da Maré (bairro desde 1994) e pelas afirmações da procuradora, e segundo, pelas complicações constitucionais e legais. Explico-me.
A população do conjunto de comunidades que compõem o bairro da Maré é de 130 mil moradores. Para que se tenha ideia, dos 5.570 municípios brasileiros, 5.350 possuem população inferior à da Maré, incluídos os do Estado do Rio de Janeiro. Quanto às complicações constitucionais e legais, pode ser que eu esteja desatualizado, mas até onde eu saiba, em qualquer das hipóteses autorizadas pela Constituição e a Lei Complementar sobre o tema (Estado de Defesa, Art. 136 da CF; Estado de Sítio, Art. 137; Intervenção Federal, Art. 34, III; e pedido do governo do Estado membro), o emprego das Forças Armadas deve ser precedido de ato formal do presidente da República, especificando as condições do emprego e as garantias constitucionais do Art. 5º que estariam eventualmente suspensas. Com relação aos mandados de busca, não sei se mudou, mas tanto o Código de Processo Penal comum (CPP) quanto o Código de Processo Penal Militar (CPPM) vedam ao juiz, sob pena de abuso de poder, a expedição de mandados genéricos, coletivos (o bairro da Maré possui cerca de 40 mil domicílios…). O CPP exige que o mandado indique, “o mais precisamente possível, a casa em que será realizada a diligência”, e o CPPM, além de exigir o mesmo, manda o executor exibir e ler o mandado.
Bem, é possível que a posição da procuradora reflita as representações distorcidas sobre aquele e outros locais similares. Ela não deve ter lido o GUIA DE RUAS MARÉ 2012. Saberia que todas as ruas possuem CEP, e a quase totalidade das casas possui numeração (vale a dica para os repórteres…).
Outro motivo da estranheza é ter sido justamente um membro do Ministério Público, instituição incumbida da defesa da cidadania e dos interesses difusos e de coletividades, a justificar a medida, sem decretação de “estado de defesa” e suspensão de direitos fundamentais por ato presidencial.
Retiro tudo que disse acima se o ordenamento constitucional-legal tiver sido mudado sem que eu tenha tomado conhecimento, e se o Manual ‘Garantia da Lei e da Ordem’, GLO, aprovado por portaria do Ministério da Defesa, não tiver ido além do que a Constituição e as leis do País vedam.
PS. Não sei por que estou preocupado com esses detalhes. Não moro na Maré.
março 26th, 2014
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PS. (em 25/02/15): Por quanto tempo mais vamos acreditar que o caminho para construir uma cidade integrada e harmoniosa é empregar a força das armas na chamada “guerra às drogas”, se fazemos isso há quase trinta anos, com os resultados conhecidos, e se, além de enchermos as cadeias, temos enchido os cemitérios? Ou será que esse modelo policial-penal-militar para lidar com a complexa questão, no qual muitos insistem, de boa ou má fé, não é mero atalho para se atingir os reais objetivos, inconfessáveis. Que fique a lição (aos de boa fé…).