foto de Jorge Da Silva

Jorge Da Silva é cientista político. Doutor em Ciências Sociais pela UERJ e professor-adjunto / pesquisador-visitante da mesma universidade. Professor conteudista do Curso EAD de Tecnólogo em Segurança Pública (UFF - CEDERJ / CECIERJ). Criado no hoje chamado Complexo do Alemão, no Rio, serviu antes à PM, corporação em que exerceu o cargo de chefe do Estado-Maior Geral. Foi também secretário de Estado de Direitos Humanos/RJ. É vice-presidente da LEAP Brasil ('Law Enforcement Against Prohibition Brazil' (Agentes da Lei Contra a Proibição)).

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Arquivados em maio, 2014

VIOLÊNCIA. CEM ANOS DEPOIS, ÃNDIOS E NEGROS TEIMAM EM NÃO “DESAPARECER†DO BRASIL

30 de maio, 2014    

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Há exatos 103 anos, no Congresso Universal de Raças, realizado em Londres em 1911, o Dr. João Batista de Lacerda, então diretor do Museu Nacional e representante oficial brasileiro no conclave, vaticinou: “As correntes de imigração europeia, que aumentam a cada dia e em maior grau o elemento branco desta população, terminarão, ao fim de certo tempo, por sufocar os elementos dentro dos quais poderiam persistir ainda alguns traços do negroâ€. Concluiu que, em 100 anos, a população seria representada, na maior parte, pela “raça branca”, e que “o negro e o índio” teriam “desaparecido desta parte da Américaâ€. A seu favor, cumpre assinalar que era pensamento recorrente entre os intelectuais.

Há catorze anos, em 22 de abril de 2000, o governo resolveu promover uma efeméride em Porto Seguro – mesmo sítio em que foi celebrada a primeira missa – para comemorar os 500 anos do “descobrimentoâ€. Uma oportunidade de mostrar ao mundo que, embora os conceitos de raça e cor não tivessem influência na estrutura social do País, o Brasil seria uma “democracia racialâ€, incolor. Sem se darem conta da gritante contradição, os organizadores pensaram numa confraternização “racialâ€. Era só convidar um grupo de negros de boa vontade para, do palanque, dizer que não havia diferenças raciais/de cor no Brasil, e um grupo de indígenas a caráter, como no quadro de Víctor Meirelles, para mostrar como os índios continuavam integrados nestas plagas. A “fábula das três raçasâ€, como diria Roberto Da Matta, seria encenada ao vivo. Ora, como puderam conceber a ideia de os índios se apresentarem como felizes “brasileirosâ€, 500 anos depois, para comemorar a dizimação dos seus povos e o seu etnocídio? Ao contrário, indígenas não convidados aproveitaram o acontecimento para protestar, desconsiderando o pedido do ministro Rafael Grecca dias antes, que apelara aos seus sentimentos “patrióticos†(sic). A “festa†foi um fiasco, com muita violência.

Há três dias, no coração da capital da República, indígenas em protesto contra a não demarcação de suas terras, empunhando arcos e flechas, unidos a manifestantes anti-Copa, entraram em confronto com a tropa de choque e a cavalaria. Um PM levou uma flechada na perna e dois índios teriam sido feridos. Para completar, um órgão da imprensa cai em armadilha técnico-jurídica: “Uma pessoa foi presa e um índio apreendidoâ€. Tudo isso depois de um juiz federal afirmar que religião de matriz africana não é religião.

Se vivo estivesse, João Batista de Lacerda talvez culpasse os índios e os negros por teimarem em não “desaparecer  Problema mesmo é que, como vimos, ainda há muitos seguidores seus por aí.

Com certeza, grande parte da violência vivida pela sociedade brasileira hoje deriva da intolerância com “os outrosâ€. No caso dos protestos, nem pensar no seu conteúdo. O que importa é contê-los a qualquer custo. Virou lugar comum dizer: “Protestos em ordem, sim; vandalismo, nãoâ€, como se fosse algo trivial distinguir uma coisa da outra. Até o nosso Fenômeno caiu nessa: “Tem que baixar o cacete nesses vândalosâ€. Há que perguntar: os indígenas, com arcos e flechas, seriam vândalos? Tem que sentar o cacete neles? E também nos professores, nos garis, nos rodoviários, nos sem-terra? (Ô Ronaldo, não se esqueça das suas raízes…)

E já lá se vão mais de cem anos.

Que pena!

 

 

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INTOLERÂNCIA RELIGIOSA OU RACISMO? JUIZ TERIA DITO: “UMBANDA NÃO É RELIGIÃO”

17 de maio, 2014    

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Só nos faltava essa! Fundamentalismo religioso?

A primeira página de O Globo de hoje, 17/05, traz preocupante matéria; preocupante porque o protagonista é um juiz de direito, autoridade pertencente ao poder legitimado pela Nação a promover justiça e defender os direitos fundamentais inscritos na Constituição. Trata-se de inacreditável caso de “intolerância religiosa†explícita. Lê-se ali: “Umbanda não é religião, diz juiz” / “Um juiz federal no Rio negou a retirada de vídeos ofensivos postados na internet contra praticantes de umbanda e candomblé, alegando que crenças “não constituem religião …â€

Que alegasse outras razões; razões jurídicas. Faltou-lhe indicar a lei brasileira (ou doutrina, ou jurisprudência) em que a diferença entre crença e religião fica estabelecida e, no caso, quais são as ‘crenças’ (não encontrei outra palavra) que são reconhecidas como religiões. É possível que o nobre juiz seja agnóstico ou ateu, imaginando com isso não possuir religião nem crença alguma. Ainda assim, data venia, teria a crença de não ter crença. Se for só isso, resta lamentar. Porém, se possuir alguma religião, segundo o seu ‘código pessoal de religiões e crenças’, aí estaríamos falando de outra coisa: de fundamentalismo religioso, coisa que, com certeza, a sociedade brasileira abomina.

Não é possível que o juiz não saiba a diferença entre preconceito (questão de foro íntimo) e discriminação (exteriorização do preconceito contra indivíduos e grupos). Será que esse tema não foi abordado em seu curso na Escola da Magistratura Federal?

Ora, ninguém é obrigado a gostar de umbandistas, candomblecistas, mulheres, negros, homossexuais e outros “diferentesâ€; porém é obrigado pela Constituição e as leis do País, como qualquer cidadão brasileiro, a respeitá-los. No caso de um juiz, além de respeitá-los, tem o dever de defendê-los.

Alguém informe ao juiz que o Brasil, desde a proclamação da República, é um país laico.

 

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(Cont…) EXÉRCITO NA MARÉ (V)

12 de maio, 2014    

E a Maré?

Em postagem de 26/03/14 (“EXÉRCITO NA MARÉ Iâ€), quando a mídia anunciava que o Exército ocuparia a Maré, estranhei a posição da procuradora do MP militar federal a favor de mandados de busca coletivos, genéricos, num bairro (sic) com 130 mil moradores e 40 mil domicílios, parecendo desconhecer que a Constituição da República, o CPP e o CPPM vedam ao juiz o poder de fazê-lo, sob risco de abuso de autoridade (Lei 4.898/65). Qual nada. Como mencionei em “EXÉRCITO NA MARÉ II†(29/03/14), notícia amplamente divulgada dava conta de que um juiz singular consumara o balão de ensaio. Depois de tudo isso, os policiais são acusados de truculentos…

Em “EXÉRCITO NA MARÉ III†(30/03/14), perguntei, em razão da flagrante ameaça aos direitos fundamentais dos moradores: “Cadê a organização ‘Juízes pela Democracia’? E a OAB? E os grupos que lutam pelos direitos humanos? E os intelectuais, são a favor ou contra? E os progressistas da mídia, são a favor dos mandados de busca coletivos? Por que não se manifestam, a favor ou contra?…†Agora acrescento: cadê os políticos que se dizem “de esquerdaâ€? Nada. Mudos também. Nesses momentos, não há esquerda nem direita, e sim em cima e embaixo. Afinal…

A chegada das tropas (cerca de dois mil efetivos e vários blindados) recebeu grande divulgação e luminosidade, assim como as ações de revista e algumas escaramuças que se seguiram, inclusive as notícias de ataques de traficantes aos militares. Bem, em face da atual escassez de notícias, há que perguntar: como estão as relações dos militares com os moradores? A ausência da Maré no noticiário é sinal de que os traficantes fugiram ou foram presos, e que não há mais tráfico de drogas ali?

 

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A “GUERRA ÀS DROGAS†VAI ACABAR

7 de maio, 2014    

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Abaixo, duas notícias interessantes. Comento-as porque amigos chegados têm reagido às minhas posições em relação à chamada “guerra às drogasâ€. Eu tinha concluído que a dita “guerra†era elitista, pois a justificativa da sua deflagração foi, e é, proteger a juventude contra os males do consumo de drogas psicoativas (apenas as consideradas ilícitas…). Perguntei-me: proteger que juventude? Proteger de quê? Claro estava, e está: no que tange a consumo, proteger a juventude pertencente a determinadas camadas sociais contra os riscos à saúde, à degradação pessoal, à desagregação familiar e mesmo contra o risco de morte por overdose. Era preciso, então, afastar as drogas dos jovens (e não os jovens das drogas…). Resultado: a política de proibição total colocou um mercado multibilionário (sim, mercado) nas mãos do submundo, totalmente fora de controle do Estado. Sou a favor de que o Estado assuma o controle legal de todas as drogas, como os norte-americanos fizeram quando decidiram acabar com a “guerra ao álcoolâ€.

Os países centrais, capitaneados pelos nossos irmãos americanos do Norte, depois do fiasco da “guerra ao álcoolâ€, investiram na “guerra às drogasâ€. E os “macaquitosâ€, obedientes, nela embarcaram de corpo e alma, mais realistas do que o rei. Como se dizia antigamente em brincadeira de criança: “Bento que bento é o frade […] Tudo que seu mestre mandar, ‘fazeremos’ todos!â€

E cá estamos nós, matando-nos aos milhares. Quem sabe, não seria a hora de darmos uma parada técnica só para contarmos os mortos em nossa guerra particular!? E procurar saber quantos e quais jovens morreram de overdose e quantos e quais jovens morreram a bala. Alguém dirá: “Bandido tem que morrer mesmo!†Só falta dizerem que a grande quantidade de jovens policiais mortos por traficantes da ponta, e os moradores mortos por balas perdidas na “guerra” em “comunidades” (senhoras, crianças e adultos) também são bandidos. E que o medo do crime em geral é ilusório, nada tendo a ver com  o poder dos “comandos†das drogas.

Não estou maluco. Leio no Correio Braziliense (06/05/2014): “Cinco ganhadores do prêmio Nobel pedem o fim da guerra às drogas  / Para as personalidades, é necessária uma nova estratégia mundial baseada em ‘princípios de saúde pública, contenção de danos, redução do impacto do mercado ilegal’â€.

Não estou maluco. Leio na Folha de São Paulo (27/04/ 2014): “Legalizar maconha é opção, diz militar†/ Ex-chefe de comando dos EUA para a América Latina, Stavridis vê descriminalização como estratégia para região/ Almirante americano diz, porém, que é cedo para pensar sobre legalização da cocaína no combate às drogas.â€Â 

O almirante diz que é cedo. Cedo! Aliás, cumpre distinguir os que são contra de boa fé dos que o são por motivação inconfessável. E denunciar os setores que são a favor da “guerra” porque lucram com ela.

   

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