VIOLÊNCIA. CEM ANOS DEPOIS, ÃNDIOS E NEGROS TEIMAM EM NÃO “DESAPARECER†DO BRASIL
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Há exatos 103 anos, no Congresso Universal de Raças, realizado em Londres em 1911, o Dr. João Batista de Lacerda, então diretor do Museu Nacional e representante oficial brasileiro no conclave, vaticinou: “As correntes de imigração europeia, que aumentam a cada dia e em maior grau o elemento branco desta população, terminarão, ao fim de certo tempo, por sufocar os elementos dentro dos quais poderiam persistir ainda alguns traços do negroâ€. Concluiu que, em 100 anos, a população seria representada, na maior parte, pela “raça branca”, e que “o negro e o Ãndio” teriam “desaparecido desta parte da Américaâ€. A seu favor, cumpre assinalar que era pensamento recorrente entre os intelectuais.
Há catorze anos, em 22 de abril de 2000, o governo resolveu promover uma efeméride em Porto Seguro – mesmo sÃtio em que foi celebrada a primeira missa – para comemorar os 500 anos do “descobrimentoâ€. Uma oportunidade de mostrar ao mundo que, embora os conceitos de raça e cor não tivessem influência na estrutura social do PaÃs, o Brasil seria uma “democracia racialâ€, incolor. Sem se darem conta da gritante contradição, os organizadores pensaram numa confraternização “racialâ€. Era só convidar um grupo de negros de boa vontade para, do palanque, dizer que não havia diferenças raciais/de cor no Brasil, e um grupo de indÃgenas a caráter, como no quadro de VÃctor Meirelles, para mostrar como os Ãndios continuavam integrados nestas plagas. A “fábula das três raçasâ€, como diria Roberto Da Matta, seria encenada ao vivo. Ora, como puderam conceber a ideia de os Ãndios se apresentarem como felizes “brasileirosâ€, 500 anos depois, para comemorar a dizimação dos seus povos e o seu etnocÃdio? Ao contrário, indÃgenas não convidados aproveitaram o acontecimento para protestar, desconsiderando o pedido do ministro Rafael Grecca dias antes, que apelara aos seus sentimentos “patrióticos†(sic). A “festa†foi um fiasco, com muita violência.
Há três dias, no coração da capital da República, indÃgenas em protesto contra a não demarcação de suas terras, empunhando arcos e flechas, unidos a manifestantes anti-Copa, entraram em confronto com a tropa de choque e a cavalaria. Um PM levou uma flechada na perna e dois Ãndios teriam sido feridos. Para completar, um órgão da imprensa cai em armadilha técnico-jurÃdica: “Uma pessoa foi presa e um Ãndio apreendidoâ€. Tudo isso depois de um juiz federal afirmar que religião de matriz africana não é religião.
Se vivo estivesse, João Batista de Lacerda talvez culpasse os Ãndios e os negros por teimarem em não “desaparecer  Problema mesmo é que, como vimos, ainda há muitos seguidores seus por aÃ.
Com certeza, grande parte da violência vivida pela sociedade brasileira hoje deriva da intolerância com “os outrosâ€. No caso dos protestos, nem pensar no seu conteúdo. O que importa é contê-los a qualquer custo. Virou lugar comum dizer: “Protestos em ordem, sim; vandalismo, nãoâ€, como se fosse algo trivial distinguir uma coisa da outra. Até o nosso Fenômeno caiu nessa: “Tem que baixar o cacete nesses vândalosâ€. Há que perguntar: os indÃgenas, com arcos e flechas, seriam vândalos? Tem que sentar o cacete neles? E também nos professores, nos garis, nos rodoviários, nos sem-terra? (Ô Ronaldo, não se esqueça das suas raÃzes…)
E já lá se vão mais de cem anos.
Que pena!