foto de Jorge Da Silva

Jorge Da Silva é cientista político. Doutor em Ciências Sociais pela UERJ e professor-adjunto / pesquisador-visitante da mesma universidade. Professor conteudista do Curso EAD de Tecnólogo em Segurança Pública (UFF - CEDERJ / CECIERJ). Criado no hoje chamado Complexo do Alemão, no Rio, serviu antes à PM, corporação em que exerceu o cargo de chefe do Estado-Maior Geral. Foi também secretário de Estado de Direitos Humanos/RJ. É vice-presidente da LEAP Brasil ('Law Enforcement Against Prohibition Brazil' (Agentes da Lei Contra a Proibição)).

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Arquivados em outubro, 2012

É PRECISO ACABAR COM OS TRAFICANTES!

24 de outubro, 2012    

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Já lá se vão mais de 30 anos em que, todos os dias, jornais e TVs do País divulgam notícias sobre a ação dos traficantes de drogas e sobre a mobilização das polícias – e mesmo das Forças Armadas – contra os mesmos. São milhares e milhares de matérias, as quais, no geral, apresentam o mesmo padrão guerreiro. Num breve apanhado é possível montar um mosaico ilustrativo desse padrão, a partir de títulos de matérias colhidas em alguns dos principais veículos de comunicação nos últimos anos, como segue:

“Morte de traficante motivou ataques a PMs em São Paulo” / “Em todo o país, no ano de 1999, a PF conseguiu evitar a distribuição de 5,83 toneladas da droga” / “RJ: confronto entre policiais de UPP e traficantes deixa dois mortos” / “Traficantes da Mangueira incendeiam ônibus em protesto pela morte de Pit Bull” / “Policiais gravam ação de traficantes em Ceilândia, no DF” / PM feminina morre com um tiro de fuzil 7,62, o tiro teria ultrapassado o colete a prova de bala!” “Criança morre atingida por bala perdida durante operação do Bope” / “PM de UPP do Morro da Coroa perde as duas pernas após ataque de bandidos com granada” / “Operação do Bope no Juramento termina com cinco suspeitos mortos” /“Policiais mortos pelo PCC levaram, em média, 7 tiros” / “PM teme represálias após morte do traficante Matemático no Rio” / “ROTA prende homem apontado como um dos maiores traficantes da Zona Leste” / “Polícia mata traficante apontado como sócio de Beira-Mar” / “Polícia já apreendeu mais de meia tonelada de drogas na Paraíba” / “Droga apreendida na BR-386 seria distribuída em Novo Hamburgo” / “Polícia prende traficantes em Caruaru” / “Polícia prende traficante sucessor de Nem na Rocinha” / “Munição para fuzil e 40 quilos de cocaína são apreendidos em ação da PM na Zona Oeste” / “Polícia apreende oito quilos de cocaína em Mato Grosso” / “Colombiano e venezuelana flagrados com 7,5 quilos de cocaína no Aeroporto de Guararapes” / “Polícia apreende 22 kg de cocaína no aeroporto de Rio Branco” / “Polícia Rodoviária Federal apreende cem quilos de cocaína em caminhonete que ia para o Rio” / “Ônibus incendiados na Grande BH tiveram ordem de presídios, diz polícia” / “Traficantes do Alemão tinham plano para assassinar general que comandava ocupação” / “Exército: Traficantes entraram no Alemão para desmoralizar Força de Pacificação” / “Traficantes fazem 31 reféns em hotel de luxo no Rio” / “Traficantes que agem no interior da Bahia estão no baralho da SSP” / “Em cinco anos, 50 mil pessoas assassinadas pelos cartéis de drogas no México” / “OEA: Brasil, Colômbia e México são os países com mais homicídios no continente” 

E por aí vai.

Bem, a pergunta a fazer é a seguinte: E daí? Mais: Qual é o objetivo de toda essa mobilização e dessa matança? Seria vencer os traficantes ou acabar com eles? Ora, vencer os traficantes é uma pretensão ridícula; acabar com eles usando as forças de segurança, idem. É o mesmo que imaginá-los constituindo uma “corporação” fechada, com número certo, identificável e finito.

Nada obstante, há um meio infalível de acabar com os traficantes. Basta acabar com o tráfico. E para acabar com o tráfico basta fazer mais ou menos o que os norte-americanos fizeram quando resolveram acabar com o tráfico de álcool. Puseram fim à proibição penal do mesmo. Sem tráfico, deixou de haver traficantes de álcool. Sem facções em guerra pelo controle do “mercado” do álcool, deixou de haver os antigos tiroteios entre elas, nem entre elas e a polícia. No nosso caso, sem tráfico de drogas, não será mais necessário manter equipes de prontidão para prestar honras fúnebres aos policiais mortos (guardas de honra, bandeira nacional, corneteiros, capelães etc.). E a polícia teria mais o que fazer.

 

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LEI DE DROGAS: É PRECISO MUDAR?

20 de outubro, 2012    

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Nota: Artigo publicado no jornal Correio Braziliense (Opinião, 18/10/2012, p.25 )

Em 22 de agosto, representantes da Comissão Brasileira sobre Drogas e Democracia (CBDD) levaram ao presidente da Câmara, Marco Maia, um anteprojeto de mudança da Lei de Drogas. Um dos propósitos da iniciativa é retirar os usuários e dependentes da alçada do sistema penal, passando a preocupação com os mesmos para a esfera administrativa, com ênfase nos campos da saúde, da assistência social e da educação. O anteprojeto também visa distinguir de forma mais objetiva o traficante do usuário.

Tema polêmico, é compreensível que vozes se levantem contra, temerosas de que se trate simplesmente de liberar o consumo. Afinal, são décadas da chamada “guerra às drogas”, período em que os usuários têm sido tratados como criminosos e acusados de culpa pela expansão do tráfico. Não se poderia esperar reação diferente.

De qualquer modo, importante mesmo é a oportunidade de discutir a questão de forma aberta e no local próprio, o Congresso Nacional. Felizmente, num ponto já há consenso. Tanto os opositores da proposta quanto os seus defensores concordam que as drogas psicoativas trazem prejuízos ao indivíduo e à sociedade. Há acordo também quanto ao fato de que as drogas, ilícitas ou lícitas, devam ser controladas.

É nesse ponto que começam as divergências, pois a escolha (sim, escolha) entre lícitas e ilícitas, e entre “mais perigosas”, “menos perigosas” e “não perigosas” passa a depender mais de interesses econômicos e políticos do que da ciência. Tanto que drogas que causam doenças em escala e mortes, como o álcool e o tabaco, podem ser consumidas à vontade. (Alguém dirá: “Então vamos criminalizar essas também!”)

Além disso, para uns, controlar significa proibir, com delegação à polícia para cumprir esse mandato; para outros, controlar significa prevenir e dissuadir, com políticas que visem a conter o abuso, evitar danos pessoais e sociais, e tratar os dependentes. Lamentavelmente, qualquer proposta nessa última direção tem sido vista como leviana, o que gera um sectarismo paralisante: de um lado, colocam-se os autoproclamados missionários do bem; de outro, os acusados de serem propagadores do mal. Quanto simplismo!

Um argumento dos opositores merece consideração, pois é recorrente a ideia de que mudanças como as ora propostas estimulariam o consumo. Tal receio, no entanto, não se confirmou em sociedades em que o consumo deixou de ser crime, do que é exemplo emblemático o caso de Portugal. Em julho de 2001, depois de acaloradas discussões, o parlamento português aprovou lei que descriminalizou o consumo privado e a posse para uso próprio de pequenas quantidades, não só de maconha, mas de todas as drogas. Lá também, os que eram contra temiam que houvesse uma corrida às drogas. Não foi o que aconteceu, como já o demonstraram diversos estudos, com destaque para o de Glenn Greenwald (Drug decriminalization in Portugal, Washington, D.C.: Cato Institute, 2009).

Há argumentos, porém, que não contribuem para a discussão. Primeiro, o de que pesquisas comprovam os efeitos negativos da Cannabis se usada de forma prolongada. Como se isso fosse novidade, e como se a CBDD afirmasse que a Cannabis é alguma panaceia. Ora, a questão não é essa, e sim saber o que fazer para afastar os jovens das drogas, e não as drogas dos jovens, valendo o raciocínio para o álcool, droga psicoativa sabidamente embotadora da inteligência.

Segundo, o argumento de que o uso de drogas consideradas leves é porta de entrada para as mais pesadas, raciocínio que eles não aplicam ao álcool e ao fumo, só por serem “legais”. Terceiro, o de que seria uma causa elitista. Não é. O flagelo não escolhe classe social. Se jovens, ricos ou pobres, se desajustam e desesperam as suas famílias, ou morrem por overdose e ingestão de drogas “batizadas” com cal, pó de gesso etc., milhares de outros têm morrido por tiros durante os embates entre facções, e entre essas e as forças de segurança; e cidadãos e cidadãs inocentes, também em escala, têm morrido só por morarem em “comunidades”.

Bem, se todos reconhecem que o modelo atual só tem trazido dores, para que mantê-lo intacto, ou pedir para aumentar a dose do remédio?

  • JORGE DA SILVA Membro da Comissão Brasileira Sobre Drogas e Democracia, foi chefe do Estado Maior Geral da Polícia Militar do Estado do Rio de Janeiro

 

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COTAS NO BRASIL… E NOS ESTADOS UNIDOS

16 de outubro, 2012    

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Leio na mídia brasileira que o Governo vai ampliar os programas de cotas sociais e raciais (Folha de São Paulo, 14 out: “Dilma prepara cotas raciais para servidor; O Globo, 15 out: “Governo planeja cotas raciais para serviço público”).

Além de já ter reservado por lei 50% das vagas nas universidades federais para alunos que tenham cursado o segundo grau na escola pública (provenientes de famílias de baixa renda e inscrição etnorracial negra ou indígena), agora o Governo estabelece cotas no funcionalismo público federal, e cria programas de incentivos fiscais a empresas que se propuserem a ampliar a presença de negros nos seus quadros.

Coincidência. Leio na mídia norte-americana que os programas de ação afirmativa voltam à pauta nesse país (USA Today, 11 out: “Corte pode questionar faculdades sobre raça”; The Advocate, 11 out: “Suprema Corte ouve caso sobre ação afirmativa”).

Uma jovem branca, formada pela Luisiana State University, alega que conseguiria melhores oportunidades de emprego se apresentasse um diploma da Universidade do Texas, onde não conseguiu ingressar, segundo afirma, em razão da política da ação afirmativa. Ela aciona a Universidade, cobrando danos financeiros.

Por coincidência, repito (há quem não acredite em coincidências…), representei a Uerj em outra Universidade daquele estado e da mesma cidade, a Southern University Baton Rouge, universidade historicamente negra, fundada em 1880, com a qual a Uerj vem de estabelecer parceria para intercâmbio de professores e alunos, e de pesquisa.

Embora tema envolto em paixões identitárias, alguns dados podem ajudar na melhor compreensão e equação do problema, máxime porque sempre incorremos no vezo de explicar as nossas relações etnorracias em contraste com as dos Estados Unidos:

– As políticas de ação afirmativa naquele país se iniciam na década de 1960, mais precisamente em 1961, quando o presidente Kennedy usa a expressão pela primeira vez no decreto nº 10.925, ou seja, há 50 anos; No Brasil, só em 2003, quando a Uerj institui o programa de cotas;

– A população dita afro-americana (não-branca, com a marca da ascendência africana) não chega a 14% da população total daquele país; no Brasil, segundo o IBGE 2010, é de 50,7%;

– Estimativas confiáveis dão conta de que aproximadamente 11 milhões de africanos foram feitos escravos nas Américas, e que, desse total, pelo menos 5 milhões foram trazidos ao Brasil, o país do  mundo que mais recebeu africanos; os Estados Unidos receberam em torno de 600 mil, ou seja, 8 vezes menos;

– No Brasil, a escravidão durou quase quatro séculos; nos Estados Unidos, pouco mais de um século;

– Nos Estados Unidos, o epicentro do regime escravocrata se localizou nos estados agrícolas do Sul (o “Deep South”), do que resultou a Guerra de Secessão, contra a Abolição; no Brasil, localizou-se na cidade do Rio de Janeiro, centro da colônia portuguesa, capital do Império português, do Império do Brasil e da República que se seguiu à Abolição, e de onde se espraiou por todo o país. Basta dizer que em finais do século XIX e início do século XX, o Rio era referido por muitos como a “Cidade Negra”.

Em resumo, estamos diante de um aparente paradoxo. Ou as políticas de ação afirmativa e de cotas no Brasil são um redondo contra-senso, uma vez que nos vemos como uma democracia racial, uma sociedade igualitária, pacífica e harmoniosa, ou não somos o que dizemos ser.

Nota. A Southern University Baton Rouge, assim como a Howard (fundada em Washington, DC em 1867) e outras universidades tradicionalmente negras foram criadas após a Abolição para qualificar os ex-escravos e seus descendentes e integrá-los à sociedade norte-americana.

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