ALTA CORRUPÇÃO E A TEORIA DAS “MAÇÃS PODRES” (VI)
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Recebi comentário à postagem ALTA CORRUPÇÃO E A TEORIA DAS MAÇÃS PODRES (V), publicada em 22/05/2011 (ver adiante), em que o visitante do blog Adilson da Costa Azevedo alude à crítica de Caio Prado Jr à administração colonial. No trecho que me enviou pode-se destacar afirmação do grande autor sobre a corrupção: “De alto a baixo da escala administrativa, com raras exceções, é a mais grosseira imoralidade e corrupção que domina desbragadamente.” E conclui Adilson: “até o presente, nada mudou”. Ao comentário de Adilson respondi com outro, que reproduzo abaixo:
Caro Adilson, Bem lembrado. A alta corrupção no Brasil tem raízes históricas. Quando o rei de Portugal decidiu colonizar o Brasil e explorar as suas terras, dividiu-o em capitanias hereditárias e as doou a ilustres figuras do reino. Os donatários quiseram saber o que receberiam. Pediram recursos, porém o rei alegou dificuldades, e eles foram aconselhados a realizar a tarefa como pudessem, reservando para si o que conseguissem em 20% da capitania. Ou seja, que dessem um “jeito”, como se diz hoje. A mistura do público com o privado estava oficializada.
Outro Prado anteriormente, o Paulo (Retrato do Brasil: Ensaio sobre a tristeza brasileira) fala das raízes de outro tipo de ‘corrupção’, mas indica os culpados: os escravos, que fariam de vítimas os seus senhores: “Os escravos eram terríveis elementos de corrupção no seio das famílias. As negras e mulatas viviam na prática de todos os vícios. Desde crianças começavam a corromper os senhores moços e meninas dando-lhes as primeiras lições de libertinagem. Os mulatinhos e crias eram perniciosíssimos. Transformavam as casas, segundo a expressão consagrada e justa, em verdadeiros antros de depravação. Muitos senhores, por mero desleixo, conservavam nas moradias da cidade dezenas e dezenas de mulatos e negros, em completa ociosidade, pelo simples fato de aí terem nascido. Da promiscuidade surgia toda a sorte de abusos e crimes. Senhores amasiavam-se com escravas, desprezando as esposas legítimas, e em proveito da descendência bastarda; outros não casavam, agarrados ao vício de alguma harpia que os seqüestrava, ciumenta e degradante, por uma vida toda; eclesiásticos constituíam famílias com negras e mulatas, com inúmeros filhos a quem deixavam em herança as mais belas propriedades da terra. Os escravos velhos e doentes, porém, jogavam-nos à rua, para mendigarem o sustento.“
Assim, meu caro, coerentemente, talvez tenham explicação dois episódios: o da mansão de Brasília em que eram realizadas as embaladas festas denunciadas pelo caseiro Francelino dos Santos; e o da incrível competência em economia e finanças de um médico, que teria conseguido, com o seu trabalho honesto, ganhar em pouco tempo o equivalente a um prêmio da mega-sena acumulada, conforme divulgado pela mídia. Aliás, o ex-presidente Lula afirmou que o médico “era o Pelé da economia”. O presidente talvez esteja se referindo ao fato de Pelé ser também o “rei do drible”.
Você não acha, Adilson, que devemos aconselhar os jovens que quiserem especializar-se em economia que façam medicina?
Bem, agora acrescento:
O que dizer do fato de 266 deputados não acharem atípica a evolução patrimonial do ministro Palocci, já que votaram contra a ida dele à Câmara para explicar como enriqueceu tão rapidamente? Na verdade, faz sentido. Num país em que proliferam deputados-consultores, ministros-consultores, assessores-consultores, parentes-consultores; num país em que se considera normal que esses consultores “chapa-branca”, direta ou indiretamente, firmem contratos com o governo e com empresas cujos nomes não podem ser revelados (cláusulas de confidencialidade, como alegado no caso em tela), e em que a remuneração das consultorias depende de “taxas de sucesso”, como também aconteceu no caso do filho da ex-ministra Erenice Guerra, por que a estranheza? Ora, execrar esta ou aquela autoridade azarada como “maçã podre” faz parte do jogo, pois passa a idéia de que dentro do cesto só ficam maçãs boas. Desvia-se a atenção do verdadeiro problema, a corrupção sistêmica, institucional, estrutural. Esta, se viesse à tona, exporia as vísceras da República, como alguém já disse.
Caio Prado Jr continua atual.