MATAR MAIS OU MATAR MENOS? EIS A QUESTÃO
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Manchete do jornal O Globo da última terça-feira, 28 / 12 / 2010:
“Estado do Rio gratificará policial que matar menosâ€
A matéria refere-se à decisão do governo do Estado de gratificar policiais pela redução de mortes alegadamente em confronto, vale dizer, pela redução de “autos de resistênciaâ€, cujo número, no Rio de Janeiro, exibe proporções alarmantes. Aliás, este fato vem sendo denunciado há anos pela “turma dos direitos humanosâ€, como a ela se referem os que acreditam na matança como solução para a violência.
A manchete vai além da notÃcia. A expressão “gratificará policial que matar menos†sugere que, na visão de quem concebeu a manchete, o poder público tem valorizado até aqui o policial-Rambo. Exageros à parte, impõe-se reconhecer que não foi outro o efeito das chamadas gratificações e promoções “faroeste†e das bravatas oportunistas de polÃticos e autoridades ao longo do tempo (“Atira primeiro e pergunta depoisâ€, “Bandido bom é bandido morto†etc.). Na verdade, os adeptos dessas idéias acreditam que matar bandidos é a melhor forma de promover a paz. Ora, se assim fosse, depois das dezenas de milhares de mortes (de bandidos, reais ou supostos, de policiais e pessoas indefesas), o Rio de Janeiro já seria um Éden há pelo menos duas décadas.
Não vai ser fácil a tarefa do governo. No dia em que a TV mostrou os traficantes do Alemão fugindo das forças de segurança, ouvi , de várias pessoas com as quais assistia à quelas cenas (pessoas instruÃdas e civilizadas), crÃticas à policia por não ter usado os helicópteros para matá-los. “Por que não aproveitaram a oportunidade, coronel?â€, perguntava-me insistentemente uma delas, inconformada.
O governo e a sociedade do Rio de Janeiro buscam novas formas de resolver problemas crônicos. A polÃcia, com a aplicação do conceito de polÃcia comunitária, passa a estar nas “comunidades†para proteger os moradores e não para persegui-los, como antes, do que são exemplos as UPPs. Anuncia-se agora uma invasão social.
Tudo indica que a questão primordial está resolvida, pelo menos em teoria: o “matar mais†perde para o “matar menosâ€. Melhor seria que perdesse para o “não matarâ€. Mais: que o “matar menos†não dependesse de uma promessa de recompensa material e que, sim, resultasse da conscientização humano-civilizatória tanto dos policiais quanto das autoridades e setores com voz na sociedade. Depois, ficará faltando lutar para que os operadores da segurança não se valham do efeito camaleão, como adverti em livro há 20 anos: “… o policial-camaleão, que se amolda ao ambiente por questões de conveniência; aqui ele é azul, ali ele é amarelo, acolá ele é cinza. No Ãntimo, a compreensão clara do acordo tácito feito com a sociedade, isto é, ele só não pode ser amarelo onde deveria ser azul.â€
Os policiais, de todos os nÃveis, são craques nesse jogo.
Bem, o que importa é que um novo ano se inicia com a promessa de valorização da vida. O Rio pode ser uma cidade boa para todos.  Que assim seja.